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quinta-feira, 12 de março de 2015

DA TEOLOGIA, DO TEMPO E DE SUAS CONVENIÊNCIAS DISCURSIVAS



No final da década de 1980 eu era um jovem seminarista no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (STBSB). Apesar do nome, o internato ficava situado no Rio de Janeiro, bairro da Tijuca. Lá ouvi muitos discursos de colegas empolgados com a Teologia da Libertação, então defendida por Leonardo Boff, contestada e até demonizada por quase todos os segmentos religiosos da época. 
Era e ainda é uma vertente teológica ousada, proponente e causadora de rupturas contundentes no modo da igreja lidar com as desigualdades no mundo capitalista, principalmente na América Latina. Eles defendiam uma clara "opção pelos pobres" como base da evangelização e práticas sociais cristãs. Os americanos (que nos mantinham dóceis) monitoravam tudo, mas com expressiva preocupação. Afinal, os donos do mundo temiam o crescimento de tudo que não fosse capitalismo, como até hoje acontece. Nesse ponto, saliento que aqui não há uma aversão ou crítica justificada aos nossos missionários norte-americanos, visto que não podem ser responsabilizados pela política externa de seu país. Na verdade ao lado de alguns deles vivi a linda experiência de edificar o templo da Igreja Batista Liberdade em Salvador, em apenas seis dias e isso foi uma experiência maravilhosa!
Contudo, nos anos de minha formação teológica, para desespero dos mais conservadores,estava na moda ser fã do então "quase excomungado" frei, ao qual o Vaticano impôs o famoso "silêncio obsequioso"... Uma espécie de "cala a boca pra não ser excomungado de vez!".
 A cúpula católica achava que Boff falava demais - pelo menos mais que deveria -  e incomodava não só as elites religiosas, mas também aqueles que as sustentavam e protegiam... Mas, infelizmente, os neófitos não tinham raízes, apenas folhas. Como diria Boaventura Sousa Santos, sociólogo português, "capitalismo só migra para mais capitalismo", desafortunadamente.
Experiente, o então reitor do seminário apelidava a prática discursiva vigente como "arroubos da juventude!" Hoje, quase três décadas depois, vejo parte daqueles entes vivendo as comodidades que seus cargos lhe conferem e, aparentemente, bem esquecidos das bandeiras de outrora. 
Alguns, bem empedernidos em suas convicções,  se harmonizando com um movimento - que considero perverso - que tenta desestabilizar um governo democraticamente eleito, movidos por denuncias que se alternam entre reais e fictícias, manipulações de grupos capitalistas cujos interesses são inconfessáveis, mas bem perceptíveis, em torno de nossa maior estatal, objeto de desejo dos capitalistas internacionais, especialmente neste momento em que ela produz como ninguém, detém as maiores reservas conhecidas no mundo (o pré-sal) e o mundo vive uma preocupante crise econômica e energética. Muita gente reclama da gasolina, mas nosso preço é menor que o de 35 países no mundo, hoje. É um momento de crise nesta área e precisamos superá-la, de fato.
Todos sabem que a desvalorização da Petrobras favoreceria uma privatização que renderia estrondoso prejuízo ao país e o enriquecimento dos que a entregariam aos estrangeiros,  gerando prejuízos bem maiores que as fraudes que sabidamente vicejam há décadas, mas que só agora estão sendo investigadas. Muito disso - além dos reflexos da crise internacional que obriga o governo a realizar ajustes amargos para manter programas sociais que o reelegeram -  tem sido usado como tentativa de embasar um golpe de estado pelos insatisfeitos, devidamente orientados pela CIA, assim como foi na ditadura militar que detonou o que havia de bom em nosso país, com a conivência dos evangélicos, inclusive!
Aproveito para dizer aqui que toda corrupção deve ser punida, doa a quem doer, mas não com a evidente parcialidade de agora e com prejuízos para nossa democracia e estabilidade econômica baseada em redistribuição de renda e em políticas afirmativas de reparação das desigualdades.
 Queremos punir culpados? Queremos! Então, punamos todos os que sabidamente são corruptos, inclusive os líderes religiosos que vivem há décadas assentados no capital amealhado dos fiéis incautos e até em suas campanhas políticas também, com ardilosas promessas "espirituais".
Às vezes, me sinto envergonhado ao ver como parte dos lideres ditos cristãos se portam sobre esse tema. Seus discursos vão de manipulações aos seus fiéis alegando que os desafetos são de um "diabólico partido" que quer implantar o comunismo (e olha que o comunismo praticamente acabou há décadas e eles nem perceberam!) a pedidos de "ajuda" ao governo americano (mal das pernas por lá, inclusive) para dar um golpe no próprio governo eleito em nosso país - e até oram por isso! O partido odiado é o PT, é claro. Havia quem anunciasse que ele fecharia todas as igrejas se eleito! O que será que estão dizendo agora? Há doze anos eles são eleitos consecutivamente!
Não gostaram do resultado das eleições democráticas que penosamente conquistamos e querem a volta da ditadura ou a ascensão de um senador nota zero, acusado objetivamente de vários crimes por seus conterrâneos - ao cargo máximo da nação. E fazem tudo isso por uma "causa maior": Eles odeiam a corrupção e falam como se ela tivesse sido inventada pelo referido partido que está no governo (mesmo sabendo que os dois partidos da "cruzada ética" são tidos como os partidos mais corruptos de nossa história, segundo os dados divulgados pelo TSE, ou sejam: PSDB e DEM).
Ao tempo em que as camadas mais pobres votam e reelegem por quatro vezes consecutivas candidatos à presidência de um mesmo partido com um histórico nitidamente proletário os ricos e a classe média tradicional se revoltam e repentinamente se indignam com as práticas de corrupção que sempre souberam existir na suja política nacional.
Onde eles viviam nos anos anteriores? Porque não fizeram ouvir as suas vozes indignadas com a corrupção há mais tempo? Por que não promoveram reuniões de oração pelo fim da ditadura que torturou milhares de pessoas, inclusive a presidenta Dilma e outros tantos "subversivos"! Será que se eles acreditassem mesmo que esse é um governo comunista eles sairiam às ruas para protestar? 
Os eleitores vencedores nas urnas festejam sucessivas vitórias do partido de origens proletárias e que diminuiu as desigualdades sociais, tirando cerca de 40 milhões de pessoas da linha da pobreza, exportando o modelo de programas sociais para todo o mundo e fazendo surgir uma classe de pobres diferentes  - andam de avião, tem carro financiado, eletro-eletrônicos e eletrodomésticos  (especialmente celulares e tabletes) de última geração e filhos nas universidades públicas, entre outras coisas dantes reservadas aos mais abastados. Ao mesmo tempo uma enorme quantidade de insatisfeitos se alimentam de um sentimento de revanche, mesmo tendo perdido as eleições e beiram à insanidade, promovendo eventos financiados por grupos empresariais interessados em quebrar a principal estatal brasileira (Petrobras)e tirar do poder o governo que cortou verbas fabulosas de publicidade dos grandes grupos de comunicação - alguns em franca insolvência e implicados em escândalos de sonegação de impostos e evasão de divisas para paraísos fiscais, devidamente varridos para debaixo dos tapetes dos seus noticiários.  
Quando leio ou  assisto àqueles antigos ardorosos profetas defensores dos oprimidos, da ética, da justiça social e similares fazendo os já conhecidos discursos reacionários, devidamente afinados com os postulados burgueses da sociedade desigual, alienados das transformações sociais recentes em nosso país (inclusive na apuração da corrupção!)  e nutridos de ódio contra benefícios concedidos aos mais pobres (Bolsa Família, Sistema de Cotas nas universidades, etc) - tão alienados quanto enviesados com relação à doutrina bíblica e à teologia da libertação, eu fico realmente estupefato.
Se por um lado compreendo perfeitamente que eles estão apenas onde sempre estiveram - ou melhor, agora estão onde queriam chegar com seus discursos aparentemente transformadores - por outro lado paro diante do espelho, abismado, e penso: Como o tempo e as conveniências nos mudam!?!
Se bem que, com essa última exclamação eu me obrigo a lhes conceder o benefício da dúvida quanto a afirmar se mudaram ou apenas se revelaram tal como eram ao apagar das luzes do palco.
Ainda bem que pessoas como Boff não mudam tão facilmente de lado! Por mais que não concorde com tudo de sua teologia, me harmonizo com sua essência e com sua luta histórica e verdadeiramente profética contra os opressores. A certeza de que o Criador se importa com os oprimidos (e eles não estão tocando panelas com as barrigas cheias nas varandas abastadas nem buzinando refestelados em seus carros) é um alimento deveras nutriente e inspirador para mim e para as novas gerações, pelo menos para os que ainda não se seduziram com as comodidades do capital e preferem o cristianismo ao materialismo místico que engoliu as igrejas evangélicas contemporâneas. O capitalismo e a própria forma como a religião se imiscui nele e a ele sustenta, com suas circunstâncias, mazelas, vícios e facilidades,parece ter proporcionado à maioria uma visão mais privilegiada - "da pedra mais alta", como alguns gostam de dizer, gastando o chavão de uma música gospel das mais populares.
Assim, vejo-me distante dessa religiosidade e de suas aspirações afinadas com os setores e idéias mais conservadoras, inclusive da miséria e da desigualdade social.
 Ainda há muito a se fazer para que a sociedade brasileira se torne um pouco menos desigual, já que o que sustenta o capitalismo é na verdade a desigualdade entre as classes sociais e a exploração de uns pelos outros. Contudo, as tentativas socialistas também desaguaram nesse que me parece ser um lamentável traço da humanidade decaída, não importando o sistema ou o partido: a corrupção.
Mesmo assim, persisto em manter-me mobilizado a me pronunciar e até a ir às ruas pela democracia sempre que as circunstâncias me exigirem; jamais pelo golpe burguês financiado por poderosas forças do capital, vantajosamente derrotadas nas urnas, mas que insistem num revanchismo sem fim. Considero tais atitudes como típicas de quem não está acostumado a perder, muito menos a respeitar as regras do jogo democrático. Um deles me enviou mensagem em que um acusado de corrupção de outro partido dizia não querer o impeachment, mas sim ver a presidenta - como ela gosta de ser chamada - "sangrando em praça pública".
 Pessoas boas! muito amorosas, por sinal... A boca sempre revela aquilo do que o nosso coração está cheio... e o que está no coração sempre brota no discurso, mesmo inconscientemente.
Abraço e cheiro

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