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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

DEPOIS DA QUEDA, O COICE


Pr. Idenilton Barbosa

(O texto abaixo, usado com permissão do autor, representa a opinião desse blog sobre o pronunciamento da CBB, assinado pelo seu presidente, declarando que a mesma não assinou o histórico pedido de impeachment de Jair Bolsonaro junto com outras entidades religiosas do Brasil.)


Sou batista há quase 38 anos (desde abril de 1983 sou convertido, tendo sido batizado dia 13/11/1983). Sou pastor batista há quase 27 anos (ordenado em 30/05/1994). Desde então, tenho sido pastor apenas de igrejas batistas filiadas à Convencão Batista Brasileira (CBB). Atualmente - desde 2010, pastoreio a Igreja Batista do Costa Azul, filiada à Associação Batista de Salvador (ABS). Minha formação teológica se deu no, então denominado, Seminário Batista da Bahia.


Sou grato a Deus por minha trajetória de muitas aprendizagens obtidas nas igrejas por onde passei. Naquela em que fui membro e nas demais comunidades que Deus me deu a graça de pastorear. No entanto, não posso fechar os olhos para os equívocos, alguns muito graves, da entidade a que estas igrejas são filiadas e da qual, por conseguinte, tenho feito parte.


Este provérbio de origem portuguesa, que serve de título do presente texto, ilustra bem em que situação deplorável encontra-se a Convenção Batista Brasileira (CBB), quando o assunto é responsabilidade social. Para quem não é do meio batista, esclareço que não estou me referindo a igrejas locais denominadas batistas, porque algumas dessas, no exercício de sua autonomia eclesiástica, felizmente, diferem da entidade cooperativa a que estão filiadas.


O provérbio chama a atenção para o fato de que toda situação, por pior que seja, pode piorar. E é o que tem acontecido com a CBB, principalmente em relação aos seus posicionamentos políticos na história recente do nosso país. Tendo o "PRONUNCIAMENTO" subscrito pelo Pr. Fausto Aguiar de Vasconcelos, presidente da CBB, publicado na página oficial da denominação no Facebook https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=5210657978974298&id=213892118650934 a meu ver, tornado pior a trajetória de omissão em alguns momentos, e posicionamento favorável a estruturas opressoras e injustas em outros. Lembrando que toda a forma de omissão é uma maneira de colaborar com o mal. Tiago disse: "Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado" (Tiago 4.17).


O "PRONUNCIAMENTO" apressa-se em afirmar que a CBB não tem nada a ver com um "manifesto político assinado por vários religiosos, citando, inclusive, os Batistas", nem é signatária de "qualquer outro". No documento, como que tentando fundamentar o posicionamento, o presidente da CBB afirma, ainda, que as comunidades batistas no Brasil formam uma família "fiel aos seus princípios e à sua posição apolítica". A nota não deixa claro sobre qual "manifesto" se refere, mas, pela proximidade temporal, desconfio que seja uma referência ao 63º pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, protocolado ontem por mais de 380 líderes religiosos, de várias denominações cristãs, incluindo, como eu, alguns pastores batistas de diferentes convenções e associações.


Tal pronunciamento realça a queda e o coice de várias gerações de batistas, desde os equívocos cometidos no passado, por, entre outras coisas, capitular diante do racismo, dar guarida ao golpe civil-militar, até seu mais recente alinhamento com a influência em uma das eleições presidenciais em que seu presidente da época disse aos membros para não votarem num determinado segmento partidário. A CBB foi capaz de convocar um dia de oração e jejum para que Lula não fosse favorecido em um de seus pleitos no STF, numa evidente, apesar de escamoteada, tentativa de influenciar a opinião pública e os juízes do STF. Como se vê, em nenhum desses episódios, a "apoliticidade" foi evocada, pelo contrário, a CBB, mais do que política, foi partidária. A "apoliticidade" e o "apartidarismo" só são lembrados quando a pauta opressora está em risco ou é impressão minha?


Pergunto isso porque a mesma CBB que tentou interferir partidariamente nesses casos, se calou diante da reforma trabalhista que retirou direitos dos trabalhadores e institucionalizou as relações opressoras; durante a votação da reforma da previdência, que também violentou os trabalhadores, a CBB até emitiu uma nota, mas de tão em cima do muro, dizia e desdizia, na tentativa de não se comprometer. Quando a "Carta de Goiânia" foi apresentada para discussão, pela qual a CBB se posicionaria, enfim, claramente contra a desigualdade social, o racismo, o feminicídio, as fake news, a intolerância religiosa, as queimadas, o desmatamento, foi rejeitada pela 100ª Assembleia sob a justificativa de ser "esquerdizante" e um documento "ideológico". Estes fatos mostram que, quando lhe convém, a CBB não somente é política, sobretudo é partidária mas, lamentavelmente, contra a justiça social e a democracia.


Não é somente por isso que o "PRONUNCIAMENTO" equivoca-se. O faz também por, penso eu, confundir o significado dos termos em nossos princípios, marcos legais e doutrinários a respeito da atuação da CBB. Os "Princípios Batistas" e a "Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira" não sustentam a "apoliticidade" pretendida pelo "PRONUNCIAMENTO". Ao contrário, conclama os batistas a uma atuação política e social, contudo, sinalizando a necessidade de separação entre Igreja e Estado. Além disso, propõem o espírito em que a atuação política e social de batistas deve acontecer. Vejamos alguns exemplos:


PRINCÍPIOS BATISTAS:


1 Na seção "A VIDA CRISTÃ", no tópico "5 - O cristão como cidadão", diz: "[...] Deve mostrar respeito para com aqueles que interpretam a lei e a põem em vigor, e participar ativamente na vida social, econômica e política com o espírito e princípios cristãos [...]";


2 Na seção "IGREJA", no tópico "Sua relação para com o estado", diz: "[...] A Igreja tem a responsabilidade tanto de orar pelo estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas as pessoas [...].


DECLARAÇÃO DOUTRINÁRIA:


"XVI - Ordem Social


Como o sal da terra e a luz do mundo, o cristão tem o dever de participar em todo esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive.


1 - Entretanto, o maior benefício que pode prestar é anunciar a mensagem do Evangelho; o bem-estar social e o estabelecimento da justiça entre os homens dependem basicamente da regeneração de cada pessoa e da prática dos princípios do Evangelho na vida individual e coletiva;

2 - Todavia, como cristãos, devemos estender a mão de ajuda aos órgãos, às viúvas, aos anciãos, aos enfermos, e a outros necessitados, bem como a todos aqueles que forem vítimas de quaisquer injustiças e opressões;

3 - Isso faremos no espírito de amor, jamais apelando para quaisquer meios de violência ou discordantes das normas de vida no Novo Testamento [...] (a sequência são textos bíblicos que fundamentam essas declarações).


Diante de tudo isso, penso que o "PRONUNCIAMENTO" não apenas é um indicativo da recorrente tentativa de esquivar-se da responsabilidade profética e do cumprimento do papel esperado de instituições da importância da Convenção Batista Brasileira, mas também a desconsideração daquilo que preconizam os Princípios Batistas e a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira a respeito de sua missão em relação à sociedade.


A CBB, assim como qualquer outra instituição religiosa, não deve estar vinculada a um partido político, mas se auto-intima a tomar partido daqueles que são vítimas de qualquer tipo de opressão ou injustiça. A CBB, por exemplo, atenta contra si mesma quando, diante do morticínio em nosso país nessa pandemia, o qual tem como principal promotor o próprio Estado Brasileiro, principalmente na pessoa do Presidente da República e seus auxiliares, escolhe a passividade própria dos cínicos e ainda credita a Deus uma responsabilidade que é nossa, confiada pelo próprio Senhor. A CBB não pode continuar confundindo apartidarismo com inatividade política, no melhor sentido da palavra. A CBB não pode mais continuar em cima do muro.