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quinta-feira, 20 de junho de 2013

"CURA GAY": A REVOLTA CONTRA UM PROJETO QUE NÃO EXISTE

Irenilson  Barbosa
Tenho acompanhado com interesse a mobilização de diversos sujeitos sociais, indignados ou revoltados com a suposta aprovação de um projeto de decreto legislativo que oficializaria a “cura gay”, ou seja: Segundo a quase totalidade da imprensa e dos inconformados ativistas das redes sociais e de organizações afeitas ao tema, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil (sob a imposição do já publicamente execrado Dep. Marcos Feliciano), teria aprovado um projeto de lei que tornaria legal a prática de sessões de “cura de homossexuais” por psicólogos e pastores.
Imagino que algumas pessoas de bem acreditem nisso por conta de toda uma mobilização que destaca frases, pregações e comportamentos infelizes do referido deputado e de alguns dos seus apoiadores em seu trato com a questão da homossexualidade . Sabe-se, porém, que esta se trata de uma questão demasiadamente complexa e envolta em muitos interesses conflitantes para ser resolvida apenas por leis e decretos, muito menos por postagens em redes sociais ou blogues. Mas o tema exige um diálogo, ao qual não me furtarei, por mais espinhoso que seja.
É evidente que a discussão do problema se acha contaminada por uma já manifesta campanha pela saída do cidadão que ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM). Essa campanha que incluiu até manifestações na frente de igrejas evangélicas durante seus cultos, foi e continua sendo liderada por grupos e pessoas associadas aos movimentos LGBTS em todo o Brasil e com grande apoio de artistas, jornalistas e demais formadores de opinião.
Ao lado do deputado, por sua vez, se alinharam diversos líderes religiosos, sobretudo aqueles que dirigem as igrejas evangélicas pentecostais e  neopentecostais, exemplificados na figura igualmente controversa do Pr. Silas Malafaia, líder neopentecostal da Igreja Assembléia de Deus Vitória em Cristo e de uma associação homônima que mantém programas de televisão muito populares. Na verdade, quem acompanha a questão sabe que o alvo dos ativistas com essa idéia da “cura gay” é ele e os pastores que corroboram com suas teses, pois o mesmo é psicólogo e teria feito afirmações controversas sobre o tema.  
Não tenho a menor aderência a ambas as figuras, nem pretendo sair em suas defesas. Contudo, sinto que o nível de desinformação e até de leviandade com o qual se vem tratando esse caso exige que alguém se digne a dar alguma informação condizente com a verdade. Isso porque observo com grande preocupação o fato de que a maioria dos indivíduos que se pronunciam sobre o tema e toda a ampla mobilização contra o projeto revela uma impressionante ignorância sobre o que realmente está acontecendo.
Além disso, temo pelo que me parece evidente nesta discussão, inclusive nas redes sociais: um marcante preconceito contra evangélicos e pastores que se tem disseminado em nosso país. Parece que, repentinamente, o fato de alguém manter-se fiel a um ponto de vista religioso sobre qualquer assunto se tornou equivalente a assinar um atestado de alienação acadêmica, política, filosófica ou social. Os líderes da Igreja Católica, inclusive o Papa Francisco tem se manifestado publicamente e em diversos documentos contra a prática da homossexualidade e classificando-a como ato pecaminoso. Mas não se notou nem de longe a mesma aversão, ojeriza ou similar conta o “santo padre” e seus seguidores que também são contra o aborto e até contra o uso da camisinha como método contraceptivo.
Porque ninguém o execrou ou pediu sua cassação, destituição do cargo, moveu campanhas nas redes sociais, boicotou missas, protestou na frente dos templos ou fez coisas semelhantes contra ele e sua igreja? Aliás, os noticiários vem construindo uma imagem positiva do argentino que virou líder romano como sendo o mais novo “pop star” mundial.
Retomando especificamente a questão do tal Projeto da Cura Gay, penso que há diversos aspectos que precisam ser considerados e inseridos nesta discussão e que estão sendo omitidos do debate, por alguma conveniência de parte dos interessados no trato dessa matéria de grande interesse socioeducacional e ético em âmbito nacional:
1.      Não existe um projeto de lei ou de decreto legislativo denominado “Projeto da Cura Gay” tramitando na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados Federais ou que considere ou afirme a existência de uma doença chamada homossexualidade ou que declare que as pessoas que se reconhecem homossexuais são portadores de uma doença que determina tal condição.

2.      O nome PROJETO DA CURA GAY é uma pecha arbitrariamente atribuída ao PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº 234, de 2011, de autoria do Deputado João Campos por pessoas que o consideram assim. Na verdade o PDL 234/2011 propõe a suspensão da aplicação do parágrafo único do Art. 3º e do Art. 4º da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99, de 23 de março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Tais pessoas, além de atribuir erroneamente a autoria do projeto ao Dep. Marcos Feliciano, ignoram ou preferem agir como se ignorassem que o documento data de 2011, quando o mesmo não ainda era presidente da CDHM.

3.      O parágrafo único do Art. 3º e o artigo 4º da Resolução 1/99 de 23 de março de 199 do CFP declara:
“Art. 3° - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamento públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Note-se que o PDL 234 não altera (o que, neste caso, equivale a propor a manutenção) o caput do Art. 3º, o qual assegura que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
4.      Em sua justificação o autor (tanto quanto o relator que se mostrou favorável) declara que o Conselho Federal de Psicologia, “ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por intermédio do questionado ato normativo, extrapolou o seu poder regulamentar”, e que “ao criar e restringir direitos mediante resolução usurpou a competência do Poder Legislativo, incorrendo em abuso de poder regulamentar” e, nesta linha, conclui que o Conselho Federal de Psicologia, com a resolução em comento, estaria cerceando os direitos das pessoas em receber a devida orientação profissional caso elas desejem mudar de orientação sexual.
Percebe-se claramente que o que se questiona objetivamente nesse projeto é a competência do Conselho Federal de Psicologia para proibir que um Psicólogo atenda aos interesses de um cliente que solicite intervenções de sua parte no sentido de ajudá-lo em conformidade com suas convicções, sejam elas quais forem. Quem fala de “cura das homossexualidades” é a resolução do CFP e não o documento em tramitação na CDHM.  Mais do que isso a: resolução também estabelece que “Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamento públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Ora, as liberdades individuais, que incluem a liberdade de expressão, são devidamente previstos na Constituição Federal em vigor desde 1988:
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença”.
(BRASIL, 1988, Constituição Federal, Título II,Capítulo I, Art. 5º)

Um exame consciencioso dos documentos nos revelará que não existe nenhum Projeto de Cura Gay tramitando na CDHM ou em qualquer outra comissão da Câmara dos Deputados. Há mais de 20 anos a homossexualidade não é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde e todos sabemos disso. Não podemos permitir que pessoas desinformadas, ou até mesmo inescrupulosas, nos tratem como ignorantes, alienados ou fundamentalistas à moda "non sense". A íntegra da proposta do projeto se encontra disponível para consulta de qualquer cidadão interessado no link http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1E3DEE05969B392F34319E4895CE9B19.node1?codteor=887984&filename=Avulso+-PDC+234/2011.
Ao que me consta, o já medonho deputado Marcos Feliciano nem mesmo votou na aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, por ser o presidente da Comissão, o qual só teve um voto contrário dentre todos os componentes da CDHM na reunião que o recomendou a apreciação das demais comissões e do plenário da Câmara, a seu tempo.
Já tenho dito em diversas situações, inclusive ao debater o tema em listas de docentes e pesquisadores, assim como em discussões em aulas de mestrado e doutorado ,que acho por demais curioso que os ativistas da homossexualidade vivam a endossar argumentos metafísicos para justificar a homossexualidade, ao tempo em que menosprezam a mesma prática por aqueles que chamam de “fundamentalistas”, “homofóbicos”, etc...
Sim, pois quando alguém diz que é heterossexual porque Deus o fez assim logo soa como um absurdo dos crédulos fundamentalistas, mas quando alguém diz que nasceu homossexual porque Deus o fez assim, isso é normal, politicamente correto e verdadeiro... Será? Porque essa manifestação da opinião precisa passar pelo crivo do legislador ou de um conselho qualquer (seja de psicologia, teologia, medicina ou o que quer que seja)?
É por demais convincente (pra não dizer engraçado) ver pessoas inteligentes e bem preparadas academicamente declararem que “chegou o tempo de se questionar a heterossexualidade” e notar que as mesmas se sentem visceralmente ofendidas com o menor sinal de questionamento da homossexualidade, seja a sua ou a de terceiros.
Com a mobilização contrária á tal “cura gay” o que se pretende ridicularizar ou taxar de absurdo é que uma pessoa possa dizer ao profissional de Psicologia que ela não está feliz com sua sexualidade (hetero ou homossexual) e querem alguma ajuda. A quem ofende esse exercício da liberdade pessoal? O pressuposto é que estão todos felizes com sua sexualidade? Ou será que só existem pessoas heterossexuais infelizes com sua sexualidade ou precisando de orientação para se tornarem homossexuais?
Por que o temor, receio ou ojeriza para com a liberdade de uma escolha? Sim, pois é tacitamente aceito que homossexualidade nem é doença nem reflete nenhum problema de ordem genética. Aliás, de posse dessas informações biológicas, porque ninguém quer discutir academicamente os processos sociais ou educacionais que levam ao desenvolvimento da orientação sexual dos indivíduos? Porque ninguém mais se interessa pelo que disse Freud a respeito, nem mesmo para questionar os fundamentos de suas teses sobre as origens da orientação sexual dos indivíduos? Porque uma pessoa pode pedir ajuda para assumir sua homossexualidade e outra não pode pedir ajuda psicológica para assumir sua heterossexualidade, caso o deseje?
Porque se pode se questionar a orientação para a heterossexualidade e não se pode dizer nada que não esteja do agrado dos grupos de homossexuais e seus simpatizantes que resolveram normatizar a homossexualidade como o padrão de conduta?
Porque a minha universidade pode ter um movimento “A universidade fora do armário” com ampla divulgação nos órgãos e veículos de comunicação da instituição e sem ninguém ser taxado de heterofóbico e enquanto isso alguém esteja pedindo a cabeça de um servidor que resolveu convidar seus colegas para uma marcha em defesa da família e contra o Projeto de Lei 122 (o qual criminaliza quem se pronunciar contra a homossexualidade). Será que se eu resolvesse fundar um movimento a favor da heterossexualidade eu seria homofóbico? Ah, então a favor da homossexualidade não é heterofóbico, mas a favor da heterossexualidade é homofóbico? Sei... entendi.
Entendi mas, logicamente não posso aceitar isso como verdade, muito menos como ciência. Nesse tempo de tantos protestos e manifestações, quero protestar, me manifestar e exigir para mim e par os outros os direitos constitucionais a opinião e a expressão dela! Não existe nem pode existir crime de opinião no Brasil. Isso é uma marca dos regimes totalitários e só observado nos mais repugnantes e desprezíveis possíveis.
Não podemos permitir que o tema da homossexualidade se torne um tabu às avessas, como tem sido até aqui em alguns ambientes e instituições. Precisamos dizer não ao uso de mordaças de qualquer tipo. Precisamos extinguir os apelidos jocosos para homossexuais assim como para quem discorda de seus pontos de vistas.
Precisamos nos incomodar com todo tipo de preconceito, inclusive com aqueles que se sustentam a custa de disseminação de informações distorcidas para atender a interesses mesquinhos, preconceituosos, hegemônicos ou que pretendem combater hegemonias com outras tão execráveis quanto aquelas.
Estamos vivendo um tempo de preocupante patrulhamento das liberdades individuais para quem é homossexual e também para quem não é. Há cerca de um mês o Congresso brasileiro votou um repúdio a um então candidato latino porque ele disse que era homem (heterossexual) e tinha uma esposa (uma mulher) em casa! Foi considerada uma ofensa sem tamanho, diziam os ativistas, pois o oponente dele era homossexual. Poucos dias depois uma cantora famosa anunciou seu casamento com uma jornalista... a reação da mídia e dos formadores de opinião? Que lindo! Programas e mais programas com entrevistas e moções de apoio às nubentes. Isso me faz lembrar um grande amigo goiano que sempre exclamava em antigas conversas particulares comigo: “Tem uns trem que eu acho é engraçado!”.
Por fim, caso você tenha tido paciência de chegar até aqui eu quero dizer algo mais: Sou a favor da liberdade de ser e de expressar a sexualidade, respeitadas as liberdades individuais e coletivas. Sou a favor de que nenhuma pessoa seja discriminada por sua orientação sexual, em qualquer que seja o ambiente. Sou a favor de que os indivíduos sejam educados conforme as convicções de suas famílias, com a liberdade ou com o rigor que a cada um concebe a vida, a ideia de divindade, a religiosidade e a própria existência, mas também creio que compete a eles escolherem os caminhos por onde querem seguir. Sou a favor de estudos honestos e responsáveis sobre o desenvolvimento da orientação para a heterossexualidade, a homossexualidade, a bissexualidade, a pansexualidade ou o que mais exista, pois sou educador e pesquisador e isso me interessa como acadêmico, tanto quanto como indivíduo e como líder religioso. Mas, sobretudo sou a favor de que cada pessoa escolha o que quer ser na vida e que seja respeitada por isso. Se o Deus em quem eu acredito permitiu a liberdade dos indivíduos, quem sou eu para impedi-la. Contudo, a discussão precisa ser fiel à verdade, e a verdade momentânea dessa discussão é: A revolta ou campanha contra um projeto de cura gay não passa de um movimento midiático, pois não existe projeto de cura gay tal como se anuncia e combate. Entre as muitas perguntas que eu não sei responder ressurge uma: A quem interessa manter o debate nesse nível de negação ou de ignorância da realidade?
Tenho visto inúmeras pessoas me dizerem que estão felizes com sua homossexualidade depois de terem vivido como heterossexuais em algo momento e eu acho isso plenamente compreensível. Igualmente, tenho visto muitos dizerem que gostariam de receber algum tipo de acompanhamento para modificarem comportamentos que não consideram compatíveis com seus anseios ou com suas convicções religiosas. Essas pessoas não estão satisfeitas em serem homossexuais e atribuem essa situação a algum evento experimentado involuntariamente ou que não compreendem bem. Porque os primeiros devem ter ajuda psicológica e o segundo grupo não? Porque um conselho qualquer teria autoridade para definir isso se a constituição nos garante as liberdades já mencionadas?

Como pastor batista há quase 23 anos que sou, membro de uma igreja batista histórica e filiada à Convenção Batista Brasileira e à Convenção Batista Baiana (presente há mais de 130 anos na Bahia e mais de 400 em todo o mundo), graduado em teologia, professor universitário em uma instituição federal, Mestre e Doutorando em Educação na linha de pesquisa da educação e diversidade e pesquisador de temas inclusivos, me recuso a aceitar tacitamente o rótulo de fundamentalista ignorante, homofóbico ou reacionário só porque não concordo com os pontos de vista de alguns formadores de opinião, entre eles algumas pessoas igualmente respeitáveis. Por isso mesmo, exijo o mesmo respeito que empresto aos que discordam de mim e me pronuncio com tranquilidade, certo de que estou amparado pela mesma legislação tanto quanto pelo bom senso dos meus leitores. Mas fique a vontade para discordar...

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