Irenilson Barbosa
Tenho acompanhado com interesse
a mobilização de diversos sujeitos sociais, indignados ou revoltados com a
suposta aprovação de um projeto de decreto legislativo que oficializaria a “cura
gay”, ou seja: Segundo a quase totalidade da imprensa e dos inconformados
ativistas das redes sociais e de organizações afeitas ao tema, a Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil (sob a imposição
do já publicamente execrado Dep. Marcos Feliciano), teria aprovado um projeto
de lei que tornaria legal a prática de sessões de “cura de homossexuais” por
psicólogos e pastores.
Imagino que algumas
pessoas de bem acreditem nisso por conta de toda uma mobilização que destaca
frases, pregações e comportamentos infelizes do referido deputado e de alguns
dos seus apoiadores em seu trato com a questão da homossexualidade . Sabe-se,
porém, que esta se trata de uma questão demasiadamente complexa e envolta em
muitos interesses conflitantes para ser resolvida apenas por leis e decretos, muito menos por postagens em redes sociais ou blogues. Mas o tema exige um diálogo, ao qual não me furtarei, por mais espinhoso que seja.
É evidente que a
discussão do problema se acha contaminada por uma já manifesta campanha pela
saída do cidadão que ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara (CDHM). Essa campanha que incluiu até manifestações na
frente de igrejas evangélicas durante seus cultos, foi e continua sendo liderada
por grupos e pessoas associadas aos movimentos LGBTS em todo o Brasil e com
grande apoio de artistas, jornalistas e demais formadores de opinião.
Ao lado do deputado,
por sua vez, se alinharam diversos líderes religiosos, sobretudo aqueles que
dirigem as igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, exemplificados na figura
igualmente controversa do Pr. Silas Malafaia, líder neopentecostal da Igreja Assembléia
de Deus Vitória em Cristo e de uma associação homônima que mantém programas de
televisão muito populares. Na verdade, quem acompanha a questão sabe que o alvo
dos ativistas com essa idéia da “cura gay” é ele e os pastores que corroboram
com suas teses, pois o mesmo é psicólogo e teria feito afirmações controversas
sobre o tema.
Não tenho a menor aderência
a ambas as figuras, nem pretendo sair em suas defesas. Contudo, sinto que o nível
de desinformação e até de leviandade com o qual se vem tratando esse caso exige
que alguém se digne a dar alguma informação condizente com a verdade. Isso
porque observo com grande preocupação o fato de que a maioria dos indivíduos que
se pronunciam sobre o tema e toda a ampla mobilização contra o projeto revela uma
impressionante ignorância sobre o que realmente está acontecendo.
Além disso, temo pelo que
me parece evidente nesta discussão, inclusive nas redes sociais: um marcante
preconceito contra evangélicos e pastores que se tem disseminado em nosso país.
Parece que, repentinamente, o fato de alguém manter-se fiel a um ponto de vista
religioso sobre qualquer assunto se tornou equivalente a assinar um atestado de
alienação acadêmica, política, filosófica ou social. Os líderes da Igreja
Católica, inclusive o Papa Francisco tem se manifestado publicamente e em diversos
documentos contra a prática da homossexualidade e classificando-a como ato
pecaminoso. Mas não se notou nem de longe a mesma aversão, ojeriza ou similar
conta o “santo padre” e seus seguidores que também são contra o aborto e até contra
o uso da camisinha como método contraceptivo.
Porque ninguém o
execrou ou pediu sua cassação, destituição do cargo, moveu campanhas nas redes
sociais, boicotou missas, protestou na frente dos templos ou fez coisas
semelhantes contra ele e sua igreja? Aliás, os noticiários vem construindo uma
imagem positiva do argentino que virou líder romano como sendo o mais novo “pop
star” mundial.
Retomando
especificamente a questão do tal Projeto da Cura Gay, penso que há diversos
aspectos que precisam ser considerados e inseridos nesta discussão e que estão
sendo omitidos do debate, por alguma conveniência de parte dos interessados no
trato dessa matéria de grande interesse socioeducacional e ético em âmbito nacional:
1. Não
existe um projeto de lei ou de decreto legislativo denominado “Projeto da Cura
Gay” tramitando na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados Federais ou que considere ou afirme a existência de uma doença
chamada homossexualidade ou que declare que as pessoas que se reconhecem
homossexuais são portadores de uma doença que determina tal condição.
2. O
nome PROJETO DA CURA GAY é uma pecha arbitrariamente atribuída ao PROJETO DE
DECRETO LEGISLATIVO Nº 234, de 2011, de autoria do Deputado João Campos por
pessoas que o consideram assim. Na verdade o PDL 234/2011 propõe a suspensão da
aplicação do parágrafo único do Art. 3º e do Art. 4º da Resolução do Conselho
Federal de Psicologia nº 1/99, de 23 de março de 1999, que estabelece normas de
atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Tais
pessoas, além de atribuir erroneamente a autoria do projeto ao Dep. Marcos
Feliciano, ignoram ou preferem agir como se ignorassem que o documento data de
2011, quando o mesmo não ainda era presidente da CDHM.
3. O
parágrafo único do Art. 3º e o artigo 4º da Resolução 1/99 de 23 de março de
199 do CFP declara:
“Art. 3° - Os psicólogos não exercerão
qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas
homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais
para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão
com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se
pronunciarão, nem participarão de pronunciamento públicos, nos meios de
comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em
relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Note-se
que o PDL 234 não altera (o que, neste caso, equivale a
propor a manutenção) o caput do Art.
3º, o qual assegura que “os psicólogos
não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou
práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar
homossexuais para tratamentos não solicitados.”
4. Em
sua justificação o autor (tanto quanto o relator que se mostrou favorável) declara
que o Conselho Federal de Psicologia, “ao restringir o trabalho dos
profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por
intermédio do questionado ato normativo, extrapolou o seu poder regulamentar”,
e que “ao criar e restringir direitos mediante resolução usurpou a competência
do Poder Legislativo, incorrendo em abuso de poder regulamentar” e, nesta
linha, conclui que o Conselho Federal de Psicologia, com a resolução em
comento, estaria cerceando os direitos das pessoas em receber a devida
orientação profissional caso elas desejem mudar de orientação sexual.
Percebe-se claramente que o que se
questiona objetivamente nesse projeto é a competência do Conselho Federal de
Psicologia para proibir que um Psicólogo atenda aos interesses de um cliente que
solicite intervenções de sua parte no sentido de ajudá-lo em conformidade com
suas convicções, sejam elas quais forem. Quem fala de “cura das
homossexualidades” é a resolução do CFP e não o documento em tramitação na CDHM.
Mais do que isso a: resolução também
estabelece que “Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de
pronunciamento públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar
os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores
de qualquer desordem psíquica.”
Ora, as liberdades individuais, que
incluem a liberdade de expressão, são devidamente previstos na Constituição
Federal em vigor desde 1988:
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei;
III - ninguém será submetido à tortura
nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou
à imagem;
VI - é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a
prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de
internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de
comunicação,
independentemente de censura ou licença”.
(BRASIL, 1988, Constituição Federal,
Título II,Capítulo I, Art. 5º)
Ao
que me consta, o já medonho deputado
Marcos Feliciano nem mesmo votou na aprovação do Projeto de Decreto Legislativo
234/2011, por ser o presidente da Comissão, o qual só teve um voto contrário
dentre todos os componentes da CDHM na reunião que o recomendou a apreciação
das demais comissões e do plenário da Câmara, a seu tempo.
Já
tenho dito em diversas situações, inclusive ao debater o tema em listas de
docentes e pesquisadores, assim como em discussões em aulas de mestrado e doutorado
,que acho por demais curioso que os ativistas da homossexualidade vivam a
endossar argumentos metafísicos para justificar a homossexualidade, ao tempo em
que menosprezam a mesma prática por aqueles que chamam de “fundamentalistas”, “homofóbicos”,
etc...
Sim,
pois quando alguém diz que é heterossexual porque Deus o fez assim logo soa
como um absurdo dos crédulos fundamentalistas, mas quando alguém diz que nasceu
homossexual porque Deus o fez assim, isso é normal, politicamente correto e
verdadeiro... Será? Porque essa manifestação da opinião precisa passar pelo
crivo do legislador ou de um conselho qualquer (seja de psicologia, teologia, medicina
ou o que quer que seja)?
É
por demais convincente (pra não dizer engraçado) ver pessoas inteligentes e bem
preparadas academicamente declararem que “chegou o tempo de se questionar a
heterossexualidade” e notar que as mesmas se sentem visceralmente ofendidas com
o menor sinal de questionamento da homossexualidade, seja a sua ou a de
terceiros.
Com
a mobilização contrária á tal “cura gay” o que se pretende ridicularizar ou
taxar de absurdo é que uma pessoa possa dizer ao profissional de Psicologia que
ela não está feliz com sua sexualidade (hetero ou homossexual) e querem alguma
ajuda. A quem ofende esse exercício da liberdade pessoal? O pressuposto é que
estão todos felizes com sua sexualidade? Ou será que só existem pessoas heterossexuais
infelizes com sua sexualidade ou precisando de orientação para se tornarem
homossexuais?
Por
que o temor, receio ou ojeriza para com a liberdade de uma escolha? Sim, pois é
tacitamente aceito que homossexualidade nem é doença nem reflete nenhum
problema de ordem genética. Aliás, de posse dessas informações biológicas, porque
ninguém quer discutir academicamente os processos sociais ou educacionais que
levam ao desenvolvimento da orientação sexual dos indivíduos? Porque ninguém
mais se interessa pelo que disse Freud a respeito, nem mesmo para questionar os
fundamentos de suas teses sobre as origens da orientação sexual dos indivíduos?
Porque uma pessoa pode pedir ajuda para assumir sua homossexualidade e outra
não pode pedir ajuda psicológica para assumir sua heterossexualidade, caso o
deseje?
Porque
se pode se questionar a orientação para a heterossexualidade e não se pode
dizer nada que não esteja do agrado dos grupos de homossexuais e seus
simpatizantes que resolveram normatizar a homossexualidade como o padrão de
conduta?
Porque
a minha universidade pode ter um movimento “A universidade fora do armário” com
ampla divulgação nos órgãos e veículos de comunicação da instituição e sem
ninguém ser taxado de heterofóbico e
enquanto isso alguém esteja pedindo a cabeça de um servidor que resolveu convidar
seus colegas para uma marcha em defesa da família e contra o Projeto de Lei 122
(o qual criminaliza quem se pronunciar contra a homossexualidade). Será que se
eu resolvesse fundar um movimento a favor da heterossexualidade eu seria
homofóbico? Ah, então a favor da homossexualidade não é heterofóbico, mas a favor
da heterossexualidade é homofóbico? Sei... entendi.
Entendi
mas, logicamente não posso aceitar isso como verdade, muito menos como ciência.
Nesse tempo de tantos protestos e manifestações, quero protestar, me manifestar
e exigir para mim e par os outros os direitos constitucionais a opinião e a
expressão dela! Não existe nem pode existir crime de opinião no Brasil. Isso é
uma marca dos regimes totalitários e só observado nos mais repugnantes e
desprezíveis possíveis.
Não
podemos permitir que o tema da homossexualidade se torne um tabu às avessas,
como tem sido até aqui em alguns ambientes e instituições. Precisamos dizer não
ao uso de mordaças de qualquer tipo. Precisamos extinguir os apelidos jocosos
para homossexuais assim como para quem discorda de seus pontos de vistas.
Precisamos
nos incomodar com todo tipo de preconceito, inclusive com aqueles que se
sustentam a custa de disseminação de informações distorcidas para atender a
interesses mesquinhos, preconceituosos, hegemônicos ou que pretendem combater
hegemonias com outras tão execráveis quanto aquelas.
Estamos
vivendo um tempo de preocupante patrulhamento das liberdades individuais para quem
é homossexual e também para quem não é. Há cerca de um mês o Congresso brasileiro
votou um repúdio a um então candidato latino porque ele disse que era homem (heterossexual)
e tinha uma esposa (uma mulher) em casa! Foi considerada uma ofensa sem tamanho,
diziam os ativistas, pois o oponente dele era homossexual. Poucos dias depois
uma cantora famosa anunciou seu casamento com uma jornalista... a reação da
mídia e dos formadores de opinião? Que lindo! Programas e mais programas com
entrevistas e moções de apoio às nubentes. Isso me faz lembrar um grande amigo
goiano que sempre exclamava em antigas conversas particulares comigo: “Tem uns
trem que eu acho é engraçado!”.
Por
fim, caso você tenha tido paciência de chegar até aqui eu quero dizer algo
mais: Sou a favor da liberdade de ser e de expressar a sexualidade, respeitadas
as liberdades individuais e coletivas. Sou a favor de que nenhuma pessoa seja
discriminada por sua orientação sexual, em qualquer que seja o ambiente. Sou a
favor de que os indivíduos sejam educados conforme as convicções de suas
famílias, com a liberdade ou com o rigor que a cada um concebe a vida, a ideia
de divindade, a religiosidade e a própria existência, mas também creio que
compete a eles escolherem os caminhos por onde querem seguir. Sou a favor de
estudos honestos e responsáveis sobre o desenvolvimento da orientação para a heterossexualidade,
a homossexualidade, a bissexualidade, a pansexualidade ou o que mais exista, pois
sou educador e pesquisador e isso me interessa como acadêmico, tanto quanto
como indivíduo e como líder religioso. Mas, sobretudo sou a favor de que cada
pessoa escolha o que quer ser na vida e que seja respeitada por isso. Se o Deus
em quem eu acredito permitiu a liberdade dos indivíduos, quem sou eu para
impedi-la. Contudo, a discussão precisa ser fiel à verdade, e a verdade
momentânea dessa discussão é: A revolta ou campanha contra um projeto de cura
gay não passa de um movimento midiático, pois não existe projeto de cura gay
tal como se anuncia e combate. Entre as muitas perguntas que eu não sei responder
ressurge uma: A quem interessa manter o debate nesse nível de negação ou de
ignorância da realidade?
Tenho visto inúmeras pessoas
me dizerem que estão felizes com sua homossexualidade depois de terem vivido
como heterossexuais em algo momento e eu acho isso plenamente compreensível. Igualmente,
tenho visto muitos dizerem que gostariam de receber algum tipo de acompanhamento
para modificarem comportamentos que não consideram compatíveis com seus anseios
ou com suas convicções religiosas. Essas pessoas não estão satisfeitas em serem
homossexuais e atribuem essa situação a algum evento experimentado
involuntariamente ou que não compreendem bem. Porque os primeiros devem ter
ajuda psicológica e o segundo grupo não? Porque um conselho qualquer teria
autoridade para definir isso se a constituição nos garante as liberdades já
mencionadas?
Como pastor batista há
quase 23 anos que sou, membro de uma igreja batista histórica e filiada à
Convenção Batista Brasileira e à Convenção Batista Baiana (presente há mais de 130
anos na Bahia e mais de 400 em todo o mundo), graduado em teologia, professor universitário em uma
instituição federal, Mestre e Doutorando em Educação na linha de
pesquisa da educação e diversidade e pesquisador de temas inclusivos, me
recuso a aceitar tacitamente o rótulo de fundamentalista ignorante, homofóbico ou
reacionário só porque não concordo com os pontos de vista de alguns formadores
de opinião, entre eles algumas pessoas igualmente respeitáveis. Por isso mesmo,
exijo o mesmo respeito que empresto aos que discordam de mim e me pronuncio com
tranquilidade, certo de que estou amparado pela mesma legislação tanto quanto
pelo bom senso dos meus leitores. Mas fique a vontade para discordar...