Eduardo Germán María Hughes Galeano morreu vítima de um câncer de pulmão, informaram fontes do hospital no qual estava internado na capital do Uruguai. Sua morte foi lamentada, entre outros, pelos presidentes de Brasil, Bolívia e Equador, e pela guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Galeano passou vários dias internado no hospital Casmu de Montevidéu e faleceu na manhã desta segunda-feira. A editora do uruguaio na Espanha, Siglo XXI editores, confirmou a morte.
"Eduardo Galeano nasceu em Montevidéu em 3 de setembro de 1940 e morreu na mesma cidade no dia 13 de abril de 2015", afirma uma nota da editora, que tem sede em Madri. O tempo compreendido entre as duas datas foi preenchido com exílios, livros, nomes de amigos e de inimigos, numerosos prêmios, doutorados Honoris Causa, campanhas de descrédito, em suma, a habitual construção, a partir de um acúmulo de dados variados, do perfil com o qual enciclopédias e estudos de todo tipo guardarão sua figura para a posteridade", resume a editora.
Um escritor mundial
Galeano foi uma referência dos intelectuais de esquerda da América Latina na década de 1970, em grande parte por "As Veias Abertas da América Latina", um livro que foi traduzido para mais de 20 idiomas no qual relata a amargura do continente.
Em 2009, durante a Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, o então presidente venezuelano, Hugo Chávez, deu de presente um exemplar ao contraparte americano, Barack Obama, que tinha acabado de assumir com a promessa de uma "mudança". Este episódio disparou as vendas do livro, embora há um ano atrás, o próprio Galeano disse que não leria de novo sua obra.
Apesar disso, os principais líderes latino-americanos se identificaram com o pensamento expresso por Galeano no livro publicado há mais de 40 anos e não demoraram em reagir à sua morte. A presidente Dilma Rousseff escreveu em um comunicado: "hoje é um dia triste para nós, latino-americanos". A morte de Galeano "é uma grande perda para todos os que lutamos por uma América Latina mais inclusiva, justa e solidária". "O mundo perdeu um mestre", disse à imprensa o boliviano Evo Morales, elogiando "seus textos, orientados a evitar o saque da América Latina, em especial suas mensagens, orientadas para as novas gerações, a defender a soberania dos povos".
"Hoje morre um grande mestre da... Pátria Grande. (...) As veias da América Latina estão abertas por sua partida, querido Eduardo!”, escreveu no Twitter o presidente equatoriano, Rafael Correa.
De San Francisco (oeste dos EUA), onde vive, a escritora chilena Isabel Allende enalteceu seu "amigo" por "resgatar e preservar a história oculta da América Latina... a importância de sua obra monumental continua vigente".
Até mesmo a guerrilha colombiana das Farc também lamentou, em seu site na internet, a morte do escritor: "recebemos com uma enorme e sincera dor a notícia da morte de Eduardo Galeano, revolucionário, escritor e intelectual de porte nossamericano (sic) e universal".
Pouco depois, o Exército de Libertação Nacional (ELN), outro grupo insurgente da Colômbia, se somou à "dor de milhões de 'nossamericanos' (sic)".
As últimas críticas
Mesmo com o avanço da idade e da doença, não deixou de escrever, mas sobretudo, não deixou de expressar aquilo que considerava um dever: a crítica social. Em uma de suas últimas e mais celebradas aparições públicas, Galeano reivindicou o "direito ao delírio" e enviou uma mensagem de desejo à humanidade. Ele deixa um legado de dezenas de obras que abordam temas variados, que vão da política à história, passando pelo futebol.
"Que tal se delirarmos por um tempinho (...) para adivinhar outro mundo possível. O ar estaria limpo de todo veneno que não vem dos medos humanos e das paixões humanas, as pessoas não serão manejadas pelo automóvel, nem programadas pelo computador, nem compradas pelo supermercado, nem observadas pela televisão", disse Galeano, acompanhado por um piano, em um estúdio de TV espanhol.
O escritor, cuja educação formal não passou do primeiro ano do ensino secundário, afirmava ter aprendido a arte de narrar nos antigos cafés de Montevidéu, dos quais era um cliente habitual.
Galeano iniciou a carreira no jornalismo aos 14 anos, quando publicou a primeira caricatura na revista El Sol, do Partido Socialista, com o nome "Gius", onomatopeia irônica de seu sobrenome, que tem origem galês.
Entre 1961 e 1964 foi editor da prestigiosa revista Marcha, que era dirigida por Carlos Quijano e era um reduto dos intelectuais latino-americanos, na qual também escreveu Mario Benedetti. Depois foi diretor do jornal independente de esquerda Epoca (1964-1966).
Com a ditadura no poder em 1973 no Uruguai, um regime que teria duração de 12 anos, Galeano, vinculado a correntes marxistas, buscou exílio na Argentina, onde fundou e dirigiu a revista literária Crisis. Os atuais "revoltados" da direita, no Brasil nem pensem em serem fãs de Galeano ao mesmo tempo em que reivindicam volta de ditaduras; seriam casos para internações em manicômios.
Dois anos depois se mudou para a Espanha e morou em Calella (ao norte de Barcelona), de onde escreveu para publicações e colaborou com meios de comunicação da Alemanha e do México.
Com o fim da ditadura de direita e a restauração da democracia, em 1985, Galeano retornou ao Uruguai, onde morou desde então e manteve uma produção prolífica. Recebeu o prêmio Casa das Américas em duas ocasiões (1975 e 1978) e sua trilogia "Memória do Fogo" recebeu em 1989 o American Book Award, concedido pela Universidade de Washington.
Galeano era casado com Helena Villagra e deixa três filhos de relacionamentos anteriores. Sabidamente, ele cumpriu o seu papel de pensador e escritor, implicado com os dilemas de nosso continente tão vitimado pelo modo de produção em vigência e suas muitas mazelas. Foi, antes de tudo, um escritor comprometido com os marginalizados e viveu e escreveu a serviço de toda a América Latina. A sensação de que o mundo ficou mais pobre sem ele também é inevitável.